Susan Sontag, no ensaio OBJETOS DE MELANCOLIA, escreve que máquinas fotográficas cada vez mais incansáveis mediam a relação entre fotógrafos e o tema fotografado. Para comprovar seu raciocínio, cita o chamariz do comercial da primeira Kodak: “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”. A escritora estadunidense teclou essa análise em uma época que ainda não disponibilizava smartphones – o livro que comporta esse e mais cinco outros textos, SOBRE FOTOGRAFIA, foi lançado em 1977.
Talvez ela já estivesse prevendo o que aconteceria anos depois, quando boa parte das pessoas no mundo tem à mão uma câmera digital acoplada a aparelho que também desempenha a função de telefone, dispositivo com o qual é possível fazer inúmeras fotos em poucos segundos. O que realmente não tenho certeza é se a ensaísta sabia que essas facilidades acelerariam o tempo.
É consenso relativo (pelo menos entre os frequentadores do Bar do Mané): 2019 passou rápido. Além da alta velocidade, pareceu conter dez anos em 365 dias. Sou adepto à teoria de que essa sensação é proveniente da quantidade de fatos e fotos que consumimos diariamente. Os minutos correm no mesmo ritmo em que, pulando de uma imagem a outra, deslizamos nossos dedos pelas timelines.
Tomo a ferramenta story do Instagram como exemplo. Num piscar de olhos, absorvemos quantidades industriais de retratos ou pequenos filmes acompanhados de textos, músicas, emojis, o escambau. É possível editar, filtrar, decupar, distorcer, recortar e aplicar efeitos especiais surrealistas com rapidez maior que o tempo necessário para fazer um miojo. O processo de consumo é turbinado por aquela barra que limita a duração de cada cena (é possível pausar seu andamento, mas duvido que alguém o faça).
Tudo isso causa algum efeito? A respeito dessa questão, sou seguidor de outra teoria: essa aceleração temporal não comprovada faz com que percamos a capacidade de analisar os detalhes que nos cercam – e a vida é feita deles. Se perdermos a competência de observar (que é diferente de ver), lá se vai boa parte de nossa humanidade.
O antídoto? Mais uma teoria com a qual simpatizo: ler autoras como Clarice Lispector para voltar a enxergar a realidade e suas Macabéas que circulam por aí diariamente (nas férias, caso tenha tempo, leia A HORA DA ESTRELA). Assistir a filmes de diretores como Noah Baumbach para voltar a perceber que a vida é feita de diálogos sinuosos (durante o recesso, caso surja uma brecha, veja HISTÓRIA DE UM CASAMENTO). Assim como a fotografia, a literatura e o cinema são as artes do fragmento, daquilo que está escondido na algazarra do cotidiano (é mais ou menos o que diz James Wood no volume A COISA MAIS PRÓXIMA DA VIDA).
A todos nós, um 2020 menos acelerado.
P.S.: as teorias aqui expostas foram concebidas durante o ano que se encerra em noites regadas a cerveja, todas ocorridas no estabelecimento comercial mencionado no terceiro parágrafo; são altamente confiáveis, portanto.