Diz o narrador de Julio Cortázar no conto "As babas do diabo" que uma das variadas possibilidades de combater o ócio é fotografar, atividade que, por exigir disciplina e método, deveria ser ensinada desde cedo às crianças. Ele ressalta que não se trata de agir como um paparazzo que tudo flagra, mas à maneira de um observador tchekhoviano que não deixa escapar o que realmente importa (o rebote de um raio solar, por exemplo). Fala também que basta o fotógrafo sair sem sua câmera para adquirir novamente o tom distraído, a visão sem enquadramento.
Escrever é como fotografar. O cronista, assim como o fotógrafo, está sempre em busca do detalhe que ninguém vê. As ferramentas do escriba são outras, normalmente caneta e qualquer superfície à base de celulose que absorva tinta ou grafite. João Antônio tomava notas em maços desdobrados de cigarros Plaza. Lúcio Cardoso, em guardanapos, enquanto bebia chope junto ao balcão. Conheço um escritor anônimo que dobra folhas A4 em 8 partes e as coloca no bolso da camisa do uniforme da firma; quando a semana termina, estende o sulfite, contempla o mosaico de palavras escritas em letra miúda e incinera tudo com um isqueiro (diz inspirar-se em Tertuliano, personagem de João Ubaldo Ribeiro no romance O albatroz azul). Um professor de geografia, ex-colega de trabalho e observador compulsivo, tem utilizado as páginas em branco de uma agenda 2016.
O escritor sem Bic Cristal e caderno se distrai na mesma proporção que o fotógrafo sem câmera. Anotador contumaz, sabe que se vir algo interessante e não tiver um pedaço de carvão à mão que seja acabará esquecendo dessa matéria-prima. Alguém dirá que, hoje, há os blocos de notas touch screen dos smartphones, mas os escritores que conheço, todos nascidos em gerações mais arcaicas, acham tal dispositivo pouco sanguíneo.
Munido de um pequeno espiralado, desses que são utilizados por jornalistas em filmes preto e branco, o cronista fará anotações para texto sobre um homem idoso, dono de um botequim de duas portas, estabelecimento que oferece paçoca, baleiro giratório, fumo de corda, balança Filizola, cachaça barata, Choquito, coxinha amanhecida, tubaína. Forma de pagamento, apenas dinheiro. Fiado, só amanhã.
O que intriga o cronista é que a birosca está sempre vazia. Morando já há três anos no bairro, nunca viu um cliente sequer no recinto. O proprietário grisalho é o único que está diariamente ali, olhando para a imagem chuviscada de uma antiga televisão quatorze polegadas colocada sobre uma enferrujada mesa de aço dobrável, dessas patrocinadas por marcas de cerveja. Seja segunda ou seja feriado, faça chuva ou faça sol, a cena se repete.
Se fosse um escritor-fotógrafo como Cortázar, o cronista colocaria tudo (proprietário, balcão, mesa de metal, televisão) no visor de uma Canon T3 e apertaria o obturador. Sempre pensa que, caso essa imagem chegasse a ser feita, não seria uma foto, mas uma história. Afinal, fotografar também é escrever – não à tinta, mas com luz.