Dos porões da igreja ao reconhecimento público*
Uma história que não pode e nem deve ser resumida nessas poucas linhas e se confunde com a própria história do País. Dos porões da igreja ao reconhecimento público, uma história escrita, não pela elite, mas sim pelos trabalhadores, através de muitas batalhas, derrotas e vitórias, mas que continua viva dentro de uma das categorias mais combativas e que mais conseguiram transformações, não apenas nas relações de trabalho, mas na sociedade como um todo e que prossegue a postos para a luta e merece o devido reconhecimento. Essa é apenas uma parte da história desses cidadãos inquietos, dos trabalhadores bancários de Araraquara.
Eram encontros informais em lugares discretos. Tem hora que não ser visto é a melhor atitude a ser tomada. Em plena ditadura militar, período autoritário de 1964 a 1985, sair às ruas expondo ideias ao vento e organizando grupos era algo nada recomendado para um pequeno grupo de bancários de Araraquara. Aproveitando o encontro de jovens no porão da Igreja do Carmo, a turma discutia sobre o atual momento do País, sobre a política e, é claro, sobre uma maneira de consolidar o setor seguindo o projeto mais arrojado notado nas Capitais.
Era final da década de 70, início da 80. Enquanto a televisão exibia a novela ‘Coração Alado’ e atletas disputavam as Olimpíadas de Moscou, esse grupo de funcionários do Banco do Brasil buscava essa nova prática sindical diferente daquela praticada pela base da categoria, em São Carlos. Foram inúmeras conversas e experiências trocadas com bancários em São Paulo, cuja atuação era mais efetiva. Nos anos seguintes, as discussões continuam com a adesão de colegas do Banespa, Caixa Econômica Federal e Nossa Caixa.
Durante esse período, ao fim do expediente, quando não havia clientes e a fiscalização dos superiores era mais branda, o grupo se reunia dentro do próprio banco. Na era pré-informática toda a documentação era datilografada manualmente e havia funcionários 24 horas por dia. A roda de conversa rolava em uma sala ou até mesmo na mesa do bar. O importante era se organizar e conversar. E assim foi. Entre uma cerveja e uma porção surgiam as alternativas para assumir o controle sindical na cidade.
Em 1985, climatologistas encontravam o primeiro buraco na camada de ozônio e os bancários de Araraquara descobriam uma brecha para driblar o sistema com a fundação da Associação da categoria na cidade. Juntos, lideram um movimento grevista e mudam a história sindical em Araraquara no período marcado pelo fim do regime autoritário no País com a eleição, de forma indireta, de Tancredo Neves como presidente do Brasil. Ele morreu morre antes de assumir o cargo, dando o lugar para o vice, José Sarney. O País mudava e o setor também.
Dois anos depois, já fortalecidos em pleno regime democrático, a então Associação é reconhecida como Sindicato. Essa chancela era respeitada por bancos públicos, mas a pressão das entidades privadas seguia rígida. A história relata a presença de espiões em reuniões fechadas da categoria delatando associados. O tempo passou, o número de bancos foi reduzido, assim como a atuação ativa de muitos funcionários. Para alguns, aquele tempo de questionar parece ter adormecido.
Com a proposta de buscar melhores condições de trabalho e remuneração, quem se propõe a defender a categoria não pode esquecer-se dos encontros iniciados há mais de três décadas pensando no funcionário como cidadão. Cidadão este, seja qual for sua função dentro da instituição bancária, ao assumir o posto leva consigo uma história de luta dos tempos das cadeiras de ferro no porão pouco iluminado da Igreja ou na mesa do boteco. Uma biografia que parece fábula com o tripé: organizar, mobilizar, para juntos, poder reivindicar.
*Cláudio Dias – jornalista / Jota Hortenci – historiador