Jair Bolsonaro era, até agora, considerado um fenômeno político. Com alguns mandatos legislativos nas costas, o deputado federal ocupou temporariamente o vácuo criado pelo turbilhão que abateu a política brasileira nos últimos anos. Com a derrocada ética e política dos petistas, a crise de identidade tucana e o indefensável “centrão” peemedebista, uma substanciosa fatia do eleitorado se apegou ao discurso fácil do militar carioca.
Sentindo o terreno fértil, Bolsonaro tratou de vociferar bravatas de toda a ordem. Num frio cálculo político, lançou frases prontas contra a corrupção e à favor da segurança pública, atacando de modo contumaz as minorias e os direitos humanos. O sistema político brasileiro, que desde a redemocratização havia domado os radicais, deu corda ao novo salvador e tolerou até um discurso em enaltecimento ao torturador Ustra em rede nacional.
A fera subestimada conquistou apoiadores que, por sua vez, reforçaram a militância virtual em defesa do exótico parlamentar. No esforço de convencimento, vale tudo, até perseguir e patrulhar os que ousam criticar o novo salvador – este que vos escreve, por exemplo, já foi alvo dessa horda virtual.
O despretensioso falastrão, enfim, alcançou dois dígitos nas intenções de voto e se consolidou como o anti-Lula do momento. Mas, como treino é treino, jogo é jogo, o sistema político brasileiro decidiu acabar com a brincadeira. Virou o ano e a vida pregressa do postulante é escancarada em doses homeopáticas.
Em duas semanas já vieram à tona evidências de uso irregular de auxílio-moradia, funcionário de gabinete vendendo Açaí bem longe de Brasília, enriquecimento mal esclarecido, nomeação de ex-mulher e uma série de outras situações no mínimo comprometedoras. Mesmo para o padrão brasileiro, tão vacinado com dinheiro na cueca e apartamento cheio de malas de dinheiro vivo, essas revelações podem significar o fim precoce (e não menos melancólico) do paladino da moral e dos bons costumes.
Na disputa política, não há amante que resista na obscuridade. A avalanche que abate Bolsonaro no momento em que ele tenta encontrar uma sigla para viabilizar suas pretensões, parece coisa ordenada. O establishment se deu conta de que o fenômeno já cumpriu o seu papel e deve voltar ao folclórico lugar que a história lhe reserva. "Mito! Mito!"