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Como se todo mundo estivesse chapado de ácido de bateria

"[...] é realmente difícil estabelecer diálogo com quem está dopado por notícias falsas compartilhadas por Whatsapp, que se tornou o único meio de informação (?) de muita gente. Os textos longos e os livros foram definitivamente colocados de lado. Tudo é baseado em boatos."

"Uma das cenas mais famosas da história da filosofia é um efeito do poder da literatura. Nietzsche, ao ver como um cocheiro castigava brutalmente um cavalo caído, abraça-se chorando ao pescoço do animal e o beija. Foi em Turim, em 3 de janeiro de 1888. É essa data que marca, em certo sentido, o fim da filosofia: com esse fato começa a chamada loucura de Nietzsche, que, tal como o suicídio de Sócrates, é um acontecimento inesquecível na história da razão ocidental."

Essa citação está em "Formas breves" , de Ricardo Piglia, um dos meus livros de cabeceira. Acho que ela se encaixa bem no atual contexto, pelo menos naquele relacionado ao meu cotidiano e à minha visão de mundo. Em textos anteriores, disse que adotei uma postura, comparada às eleições de 2014, que considero ser mais racional. Mas, nessa virada de turno, creio estar me sentindo um pouco como Nietzsche na situação mencionada por Piglia, não por causa da literatura, mas por tudo o que está rolando no cenário político.

Só um adendo: isso não significa que eu tenha abandonado a decisão de tentar observar mais de longe para compreender melhor a situação. Já perto do fim das eleições, consegui conversar sobre política sem discutir com ninguém. Pode parecer pouca coisa, mas manter o cérebro oxigenado num momento em que tanta gente pensa com o fígado é uma pequena vitória.

No domingo, depois dos resultados apresentados pelas urnas, fui com amigos a um bar para tomar uma cerveja e tentar esfriar a cabeça. A desolação era geral. A maioria de nós estuda, dá aulas ou trabalha com arte. Foi difícil ver membros do MBL, pessoas que sempre manipularam informações para benefício próprio, eleitos com grande quantidade de votos. Particularmente, fiquei assustado com o recorde batido por Eduardo Bolsonaro, sujeito violento que considero mais desprezível do que o pai – acho que todos se lembram do episódio em que ele ameaçou espancar a ex-namorada, para não falar da frase (amplamente utilizada por ele) "eu passificamente vou te matar" , da adoração ao torturador Brilhante Ustra e da homofobia.

Enfim, ele foi eleito democraticamente. Se quase dois milhões de pessoas o enxergam como uma boa figura, talvez seja eu quem deva mudar meus conceitos.

Como disse acima, tenho tentado conversar, entender os motivos dessa onda ultraconservadora que se traduz no antipetismo. Concordo: acho que o PT cometeu muitos erros no passado e já passou da hora de uma autocrítica ser realizada – o que não eliminaria as coisas boas que foram feitas, principalmente no que diz respeito ao amparo aos mais desfavorecidos. Nesse sentido, o texto publicado no jornal Folha de S. Paulo do último domingo por Ruy Fausto é um verdadeiro alento.

Porém, é realmente difícil estabelecer diálogo com quem está dopado por notícias falsas compartilhadas por Whatsapp, que se tornou o único meio de informação (?) de muita gente. Os textos longos e os livros foram definitivamente colocados de lado. Tudo é baseado em boatos. É como se todo mundo estivesse chapado de ácido de bateria.

Um desses amigos presentes na roda de conversa de domingo disse que, apesar de tudo, não se pode desanimar. Tentar abrir os olhos das pessoas por meio de aulas bem montadas e de longas e pacíficas conversas é um trabalho de formiguinha que deve ser realizado todos os dias.

Estou plenamente de acordo. Dar uma aula de literatura num sábado de manhã para meia dúzia de alunos e perceber que aquilo os atingiu de alguma forma é uma grande autorrealização. Você percebe que valeu a pena ir dormir às duas da manhã para preparar aquele conteúdo. Continuar escrevendo nesse espaço também é algo que me realiza e no qual acredito muito.

Mas isso é assunto para outro texto

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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