>Escrever nessa coluna tem sido um desafio para este colunista, por isso, na retomada de 2019, decidi optar por fazer reflexões que aproximem o debate político e as decisões tomadas na Administração Pública das mazelas de nosso povo. Assim, não poderia (re)começar de outra maneira se não tratando do fantástico caso de reencontro de mãe e filha, Dona Célia e Priscila, em diálogo direto com a Reforma da Previdência de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.
>Quase 30 anos depois de se ver obrigada a se afastar da sua filha mais nova, Dona Célia reencontra Priscila muito pelo imponderável da vida, mas também pelo trabalho da equipe de reportagem do Jornal da Rádio Morada do Sol. No entanto, em que pese toda a história e as diversas dificuldades encontradas, Dona Célia teve como principal algoz a miséria, que assolava sua vida, reforçada com a ausência permanente do Estado. No fim dos anos de 1980, momento em que Dona Célia tem seu segundo filho, a expectativa do brasileiro era mínima, sofríamos de profundas crises econômicas, sociais e políticas. O povo estava desamparado, sem uma organização institucional que liderasse o Brasil naquela que alguns afirmam ter sido a década perdida. A decisão de se afastar do crescimento da filha para que esta tivesse um futuro garantido pode soar como covardia, mas para aqueles que têm a sensibilidade da vida sabe que é a última e desesperada opção.
>Mas o que a Reforma de Bolsonaro e Guedes tem com isso? Nos últimos 20 anos, o Brasil conseguiu se restabelecer como nação, que não só cuida de sua economia, mas que, ainda que minimamente, cuida de seu povo, pois é esta a função do Estado brasileiro descrita em nossa Constituição Federal promulgada um ano antes do nascimento de Priscila. Agora, em 2019, o recém empossado Presidente da República, para além de suas bizarrices postadas no Twitter, quer refazer o pacto de seguridade social – contido na CF de 1988 – propondo não a Reforma da Previdência, mas o seu fim. É claro que reformas do Estado são necessárias conforme o desenvolvimento da sociedade, no entanto, o debate do equilíbrio das contas públicas não pode se sobrepor à sobrevivência das pessoas.
>Dentre as propostas apresentadas, destaco algumas: Redução do Benefício de Prestação Continuada, o BPC, para idosos de um salário mínimo para R$400,00; Contribuição de 40 anos para se aposentar com 100% da média salarial; Aumento da idade mínima para as mulheres, destaque para as trabalhadoras rurais; Maior tempo de contribuição, aumento da idade e necessidade ininterrupta de contribuição para os trabalhadores rurais; Regime de capitalização proposto, sem contribuição patronal, prejudicial ao trabalhador e ignorando o cenário econômico e; curto período de transição, 12 anos.
>Diferentemente do Governo e dos analistas que apoiam esta Reforma precisamos contextualizar essas medidas e não as tratar de forma isolada. Atualmente mais de 37 milhões de brasileiros estão na informalidade, ou seja, 45% do mercado de trabalho com dificuldade de contribuir com as regras atuais; 62 milhões de brasileiros estão negativados;13 milhões de desempregados e; segundo as projeções mais otimistas, levaremos dez anos para alcançar os patamares pré-crise, considerando a reforma trabalhista do Governo Temer. Soma-se a isso o congelamento do investimento público por 20 anos; desindustrialização acelerada (menos empregos formais); entrega do Pré-Sal e da EMBRAER, nossos campeões públicos, e outras instituições públicas ao interesse estrangeiro; aumento do subemprego; aumento da concentração de renda tornando o Brasil o país mais desigual do mundo (passamos de 42 para 58 bilionários em 2018, enquanto a média global diminuiu) e; retorno de famílias às condições de miséria e fome, por exemplo, com aumento de casos de queimaduras pela utilização do fogão a lenha. Qual resultado é esperado? Uma nova década perdida, talvez duas?
>Ademais, é uma Reforma que visa o Regime Geral da Previdência – que é saudável – e, além de questões pontuais dos servidores públicos, não atinge em nada os privilégios, como os dos militares, responsáveis por quase a metade dos gastos da previdência, tão menos do poder judiciário e dos políticos e não cita os desvios no uso dos recursos da seguridade social, como, por exemplo, aqueles destinados para o pagamento dos encargos da dívida pública por meio da DRU, Desvinculação de Receitas da União.
>Por fim, é preciso sempre humanizarmos o debate: essas medidas criarão, no médio prazo, uma massa de miseráveis. E quando falamos de massa de miseráveis é sobre milhões de vidas, famílias e sonhos dilacerados pela desorganização econômica que estamos tratando. São milhões de Dona Célia que terão que fazer escolhas difíceis, como a de se separar de seus filhos, pois não conseguirão oferecer e manter o mínimo para si e sua família. O Presidente Jair Bolsonaro e seu Ministro Paulo Guedes apresentam o fim da Previdência Social e da função do Estado brasileiro de proteger aqueles, que por diversos motivos, não estão mais inseridos na dinâmica econômica. O que está sendo proposto é um genocídio do nosso povo. Assim fica pergunta: A quem interessa esta reforma da previdência, com discurso do equilíbrio das contas públicas, se não ao povo que sustenta o Estado?