InícioEsporteDouglas Onça: O nome das façanhas lendárias

Douglas Onça: O nome das façanhas lendárias

Confira a história do garoto da Vila Xavier que se eternizou como um dos grandes ícones da Ferroviária

Ele é uma das pessoas mais queridas e respeitadas pela torcida da Ferroviária. O carinho não surgiu à toa, já que o nome Douglas Onça, quando ouvido, automaticamente é relacionado a grandes façanhas do time grená de Araraquara. Com uma humildade do tamanho de seu talento, o ex-jogador de 63 anos parece até mesmo rejeitar o status de ídolo, mas sabe que não pode fugir disso. 

Seja com o que fez como jogador nos anos 80 ou como técnico do time feminino na última década, Douglas fez história ao ajudar a colocar o nome do clube em evidência para o Brasil em pelo menos duas ocasiões: para o torcedor mais antigo, a lembrança marcante relacionada a ele se remete ao golaço de cobertura da vitória por 3 a 1 sobre o Grêmio em 1983 em pleno Estádio Olímpico, em Porto Alegre. O triunfo eliminou o time gaúcho da Taça de Ouro – o Brasileirão da época – em pleno ano em que a equipe do Sul se sagraria campeã mundial. Para o torcedor mais jovem, vem a lembrança de dois títulos nacionais conquistados no mesmo ano com as Guerreiras Grenás, campeãs da Copa do Brasil e do Brasileirão Feminino em 2014. 

Em entrevista ao Portal Morada, o ídolo afeano falou sobre sua trajetória, conquistas, emoções e objetivos. Confira!

Origem no 'gol-caixão'

Douglas Lima Onça nasceu no dia 31 de julho de 1957 em Araraquara. O interesse pelo futebol surgiu ainda na infância, na Vila Xavier, bairro onde cresceu. “Eu era menininho e meus pais tinham medo de me soltar, mas eu tinha alguns tios que jogavam futebol e me ensinaram a chutar a bola e tudo mais. Aí eu comecei a pular o muro e ir ao campo da Atlética, onde eu ficava jogando golzinho-caixão”, relembra.

Naquele gramado, o garoto integrou o time dente-de-leite da Atlética e posteriormente vestiu a camisa do Universal. Passou pelo Atlas, onde atuou por uma temporada sob o comando do técnico Armando Clemente, e na sequência optou por defender o time do Palmeirinhas. No alviverde da Vila Xavier, seu desempenho foi visto por responsáveis pelo time juvenil da Ferroviária, que rapidamente o convidaram. “Nessa época eu aprendi muito com o grande mestre Bazani. Também dei sorte do Sérgio Clérice apostar em mim na época que precisou”, descreve o craque, que ditava o ritmo de jogo no meio-de-campo, com muita inteligência nos momentos de armar e finalizar.

Jogos inesquecíveis

No dia 21 de outubro de 1979, Douglas Onça atuou pela primeira vez no time principal da Ferroviária, na vitória grená por 2 a 0 sobre a Francana, porém sua segunda participação foi ainda mais inesquecível. Em uma partida contra o Velo Clube de Rio Claro, na Fonte Luminosa, o meia contava com muito apoio na arquibancada, onde estavam seus pais e toda a vizinhança. Na ocasião, Douglas anotou seu primeiro gol com a camisa grená, no triunfo por 2 a 1, e dedicou seu feito ao pai, Oswaldo, hoje falecido. “O pessoal da imprensa descobriu ele na torcida e foi entrevistá-lo. Ele ficou muito orgulhoso. Eu me lembro disso e tenho que me conter pra não chorar”, se emociona o craque, que na época foi chamado de 'Garoto de Ouro da Vila Xavier', apelido concedido pelo radialista Wilson Luiz.

Em sua carreira, foram inúmeros os jogos inesquecíveis. Em um deles, o meia fez o gol da Locomotiva no empate por 1 a 1 contra o São Paulo, na capital paulista, e dedicou ao recém nascido sobrinho Tiago, filho de sua irmã. “Teve outro jogo aqui na Fonte que eu fiz os três gols na vitória por 3 a 1 sobre o São Paulo, que era praticamente uma seleção”, relata.

Terror dos gremistas

Entre os confrontos que ficaram marcados na memória da torcida afeana, um deles é lembrado até hoje em conversas envolvendo o lendário time de 1983, que disputou a Taça de Ouro daquele ano, competição equivalente ao atual Campeonato Brasileiro, em que a Locomotiva passou por cima de grandes times como o Botafogo-RJ, Internacional-RS, Atlético-PR, entre outros. Naquele ano, a equipe, apesar de ter sido a sensação do certame, chegou à capital gaúcha já eliminada para encarar o Grêmio, que precisava de um simples empate para avançar na competição. 

“A imprensa falou que os caras iriam treinar contra nós e mandou procurar no mapa a cidade de Araraquara. Aquilo me deixou doido, afinal o sujeito estava em uma televisão e não sabia onde ficava Araraquara. Para mim era um absurdo, afinal Araraquara está mais no centro do Brasil do que Porto Alegre, que mais um pouco cairia fora do mapa!”, brinca Douglas.

“Nos reunimos antes do jogo e decidimos ver se eles eram tão bons mesmo”, lembra o craque, que foi um dos responsáveis pela vitória por 3 a 1 em pleno Estádio Olímpico, resultado que eliminou o time gaúcho da competição. “Demos muita sorte também, afinal o Grêmio tinha um timão. Mas a Ferroviária é um espinho na garganta deles até hoje. E bem merecido”, acrescenta o craque, relembrando do elenco gremista que seria campeão mundial no mesmo ano. 

Números de destaque

Na Locomotiva, Douglas Onça marcou uma geração. Disputou oito edições da principal divisão do futebol paulista, além de duas Taças de Prata e uma Taça de Ouro, onde anotou cinco gols. Foi um dos atletas que mais atuaram com o uniforme grená, com 270 jogos, dentro dos quais marcou 66 gols, o que o credencia como quinto maior artilheiro da equipe.

Além da Ferroviária, o araraquarense atuou ainda por Coritiba-PR (1984), Sport-PE em 1985, Avaí-SC em 1986, Atlético Goianiense-GO em 1988, até encerrar a carreira no Marcílio Dias-SC em 1989.

Guerreiras Grenás

Mais de duas décadas após pendurar as chuteiras, Douglas Onça voltou a vestir a camisa da Ferroviária em 2011. Dessa vez, a missão era trabalhar como técnico da equipe de futebol feminino, que sob seu comando passaria por um período de reformulação que posteriormente a colocaria como uma das potências da modalidade no Brasil. 

"O convite para participar do projeto Guerreiras Grenás me trouxe de volta ao futebol brasileiro diretamente no dia a dia. Me foi apresentado vários objetivos a alcançar para a modalidade, não apenas em conquistas de campeonatos, mas em outros patamares que até então não havia com solidez. Estruturamos, doutrinamos, executamos e chegamos a pelo menos 90% do que traçamos. Foi uma universidade para mim, pois estava há vários anos afastado, por opção minha, e desinteressado do futebol. Aprendi demais com todos que me ajudaram e com as atletas, que acabaram se tornando como filhas pra mim. Creio que reflete hoje e será sempre o marco inicial para a evolução do futebol feminino brasileiro", explica.

No comando do time feminino, Douglas faturou títulos do Campeonato Paulista (2013), Copa do Brasil (2014), Campeonato Brasileiro (2014), além de medalhas em Jogos Regionais e Abertos do Interior. Mais do que isso, a equipe ganhou uma identidade que viria a coroá-la com o título da Libertadores da América de 2015, quando Leonardo Mendes era o treinador e Douglas o acompanhou na comissão técnica.

Um símbolo que arrepia

Ao ser perguntado sobre a importância da Ferroviária em sua vida, Douglas Onça se declara. “Não tem jeito! Se existem dois lares pra mim, um é o seio da minha família e o outro é a Ferroviária”, relata.

Quando menino, Douglas optou por seguir os passos de seu avô e seus tios, que eram todos palmeirenses. Por causa deles, o garoto torcia para o Verdão e para a Ferroviária. “Até que um dia, eu ainda era menino e meu pai falou que eu deveria torcer para o time da minha cidade. A partir daí comecei a torcer apenas para a Ferroviária!”, esclarece.

“As pessoas diziam que eu teria que torcer para um time da capital e para a Ferroviária e eu não aceitava aquilo, dizendo que meu único time era a Ferroviária. A Ferroviária é o manto sagrado. Eu olho para o distintivo e me arrepio todo, porque significa muita coisa para mim”, destaca.

O carinho da torcida

O sucesso de Douglas Onça no futebol feminino acendeu ainda mais o amor da torcida, que por diversas vezes o homenageou, inclusive com uma bandeira personalizada. 

Ele se mostra feliz pelo sentimento dos afeanos e orgulhoso por representar tão bem a sua camisa preferida. "Me sinto muito feliz pelo carinho que recebo, por ter a oportunidade de jogar na Associação Ferroviária de Esportes e principalmente por ser tão expontânea as opiniões ao meu futebol. Nunca me achei ser tudo que dizem e sempre digo que o pessoal aumenta muito. Isso não é falsidade minha. Creio que fui um bom jogador e consegui me realizar dentro do profissional jogando no time da minha cidade e que amo. Nem precisava ter jogado em outros times. Só de vestir a camisa que Bazani, Maritaca, Dudu, Lance, Zé Luís, Nei, Pio, Rossi, Ticão, Fernando Paolillo, Mauro Pastor, Carrasco e muitos outros vestiram, sou realizado", ressalta.

O ex-jogador também faz questão de enaltecer as amizades que conquistou no clube. "Como araraquarense, moleque que caçava de estilingue, pescava na lagoa do Rio do Ouro, jogava futebol em campinhos de terra, no asfalto quando não estava na escola, depois ao chegar na base da Ferrinha e ter o Bazani como mestre, completou minha vida e minha alma se consolidou grená. Todos com quem joguei, desde os juniores, se tornaram meus irmãos. Minha vida é o que sou e a Ferrinha faz parte da minha família", destaca.

O presente e o futuro

Desde que deixou o futebol feminino em 2015, Douglas Onça voltou a se dedicar ao comércio na loja De Ponte Celulares. "Lá é onde me realizo por completo, pois minha especialidade é o ferreomodelismo. É outra paixão desde que me conheço como ser humano. Meu saudoso pai Oswaldo foi ferroviário e sempre viajava com ele pelos trilhos da EFA [Estrada de Ferro Araraquara]. Sou muito caseiro, gosto de curtir minha casa, meus irmãos, minha mãezinha Maria, que era torcedora apaixonada das Guerreiras, e principalmente minha esposa Célia, minha filha Elisa, meu filho Vinicius e sua esposa Ludimila. Atualmente, a convite da Ceres Franco, presidente da ADPM Araraquara, trabalhamos em um projeto de Escolinha de Futebol, onde tenho comigo o Professor José Carlos Rosa e o João Batista, dois grandes amigos irmãos", conta.

Hoje com 63 anos, Douglas tem muita coisa a conquistar na vida e um dos seus sonhos é ver seus pequenos alunos nos caminhos corretos da vida. "No esporte, daqui a alguns anos, quero ver todos os garotos que fazem parte desse projeto na ADPM Araraquara respeitarem os princípios de família e se tornarem homens de bem, se possível ter a oportunidade de terem o que tive dentro do futebol, embora seja esse o último objetivo. Pretendo me tornar o treinador do Master da Ferroviária e para isso estou fazendo um estágio como auxiliar do Lua, nosso eterno treinador", brinca, sorrindo. "Fico imaginando eu comandando Hermínio, Edmilson, os irmãos Rosa, Cláudinho Macalé, Divino, Miltinho, Dama, Milton, Tuti, Sidnei, Marinho Rã, Carlos Henrique, Juari, Vavá, Boca e outros irmãos. Com meus auxiliares técnicos Lavinho, Brucutu e Caíco", finaliza o campeão.

 

Confira abaixo as fotos da carreira de Douglas Onça. As imagens são do Museu do Futebol e Esportes de Araraquara, Ferroviária, Tetê Viviani e fotos de arquivo pessoal.

 

 

Carlos

Notícias relacionadas

Mais lidas