Prepare-se. O corpo de uma mulher é encontrado dentro de seu próprio apartamento, anos após a sua morte, e ninguém percebeu sua ausência. Este é o mote que permeia o espetáculo teatral “Mamute”, com a Cia. do Mofo, em cartaz nesta quarta-feira (07), feriado, no Teatro Wallace Leal Valentin Rodrigues. A apresentação é gratuita e tem início às 19 horas (ingressos podem ser retirados 30 minutos antes do início do espetáculo, no próprio teatro).
O espetáculo criado pela Cia. do Mofo, com direção de Fernando Gimenes e Carla Zanini a partir da dramaturgia de Dione Carlos, trata da solidão humana. Em “Mamute” um famoso prédio de moradias no Centro de São Paulo está em sua fase final de desapropriação, prestes a ser demolido. Mas um testemunho da solidão humana experienciada, vivenciada e assistida de forma crua, acontece quando alguém se depara com o corpo de uma mulher encontrado dentro de seu próprio apartamento, 42 anos após a sua morte, sem que ninguém tenha sequer percebido sua ausência.
É dessa forma que “Mamute” retorna ao zoológico humano: com a diferença enjaulada e observada. Agora, aqui é a alteridade que observa os animais massificados e os classifica. É preciso entrar naquele apartamento abandonado, metáfora de um asilo, de uma família, de um país inteiro e voltar, avançar. Adentrar ao universo da múmia, escondida em sua tumba, pirâmide moderna, vertical cercada por vivos.
Mais do que um espetáculo que trata sobre o tema do esquecimento e do abandono, é uma obra sobre ausência e solidão humana. A solidão em sua forma mais atemporal, absorvida e banalizada, com a qual se confunde a própria dinâmica de vida.
Um trabalho que obriga o espectador a procurar seus próprios fantasmas, não numa relação mística ou inventada, mas numa relação de ancestralidade. É preciso descobrir quem são seus vizinhos. Descobrir o mamute congelado e o degelo do entorno.
Criação
Para a criação da dramaturgia de “Mamute”, a Cia. do Mofo utilizou quatro pilares temáticos: um fato real, uma imagem poética em movimento, as distâncias continentais entre moradores de um mesmo edifício e suas relações apáticas de vizinhança, e “sangue em estado líquido”.
O fato real foi pinçado da notícia de jornal, datada de 16 de maio de 2008, veiculada pelos principais meios de comunicação e jornais do mundo, na qual uma senhora chamada Hedviga Golik foi encontrada morta em seu apartamento em Zagreb, capital da Croácia, 42 anos após ser dada por desaparecida. Durante 42 anos seu corpo ficou esquecido dentro de um apartamento sem que ninguém o tivesse encontrado.
O grupo trabalhou com a imagem poética do mamífero elefante – símbolo da memória e da longevidade. O elefante aparece aqui como uma presentificação, uma materialização de algum tipo de loucura da solidão da noite de uma grande cidade. Esquecido pelas ruas da cidade de São Paulo, o elefante vagueia todas as noites em busca de seu cuidador, ambos perdidos entre tantos prédios da paisagem urbana. Um encontro que nunca acontecerá.
Sobre distância e vizinhos, o Edifício Copan se apresenta como pano de fundo. Construído por seu idealizador, mecenas da arquitetura, Oscar Niemeyer em 1951, o edifício é símbolo de uma cidade moderna de concreto, crescente, sincrética e cosmopolita. É uma cidade-país, um continente aglutinado que desencontram-se apartamentos-países numa equidistância milimétrica e abissal entre seus moradores. É dessa forma que adentrar a casa de um vizinho se torna um mergulho na cultura e história de um país distinto.
Por fim, a Cia. lembra do “sangue em estado líquido’, por meio de uma recente descoberta dos restos de um mamute, morto há 10 mil anos, encontrado em uma ilha ao Norte da Sibéria, ainda com sangue em estado líquido em seu corpo. O fato instigou nos cientistas o desejo de recriá-lo através da técnica de clonagem. O encontro deste fóssil não significa apenas uma janela para o passado, mas uma importante vista para o futuro.
Cia. do Mofo
A Cia. do Mofo é formada por artistas egressos da EAD – Escola de Arte Dramática da USP, ELT – Escola Livre de Teatro de Santo André, Universidade Anhembi-Morumbi, Teatro Escola Macunaíma e CPTzinho. Uma reunião de jovens artistas que encontraram neste coletivo a possibilidade de compartilhar experiências tão distintas, vividas durante seus processos de formação, atualmente focados em uma investigação voltada para o aprofundamento nos estudos de interpretação acerca do homem brasileiro contemporâneo.
A companhia escolheu como proposta continuada de trabalho e pesquisa a encenação de dramaturgias brasileiras inéditas que tratem sobre temas intrínsecos à vida urbana.
Em 2014, a Cia do Mofo foi contemplada pelo PROAC 2014 para a montagem e temporada de espetáculo inédito – prêmio que possibilitou a montagem de “Mamute”, que estreou em março de 2015.
O espetáculo, com duração de 50 minutos, é indicado para maiores de 14 anos. O Teatro Wallace Leal está localizado à Av. Espanha, 485, no Centro de Araraquara.
Serviço:
Espetáculo “Mamute”, com Cia. do Mofo
Local: Teatro Wallace Leal Valentin Rodrigues (Av. Espanha, 485 – Centro)
Dia: quarta-feira (07/09)
Horário: 19 horas
Grátis – Os ingressos podem ser retirados 30 minutos antes do início do espetáculo