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MPF mira em Glenn e atinge a democracia

Ao publicar conversas entre o ex-juiz Moro e procuradores da Lava Jato, o The Intercept revelou a face pouco nobre da Lava Jato. Para vencer a narrativa, parte do judiciário parte para a criminalização do jornalismo investigativo

O jornalismo é, no Brasil de Bolsonaro, uma profissão ingrata e perigosa. Até os mais renomados profissionais, designados para acompanhar a agenda presidencial – outrora o ápice da carreira para quem faz a cobertura política no país – são agora obrigados a tolerar a má criação e os insultos quase diários do ocupante do Palácio do Planalto.

Segundo relatório feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), o presidente Jair Bolsonaro foi responsável por 58% dos ataques aos veículos de comunicação/jornalistas em 2019. Nos doze meses do ano passado, o Brasil registrou 208 casos. Segundo a entidade, sozinho, o presidente constrangeu profissionais ou atacou veículos por 121 vezes. "Você está falando da tua mãe", respondeu o Seu Jair ao ser questionado sobre os contratos do chefe da SECOM. 

A única novidade até aqui é a figura presidencial estar na linha de frente dessa batalha. Fora isso, é costume no Brasil que, ao contrariar interesses de determinados grupos, a imprensa ou quem quer que seja (Chico Mendes, Doroty Stang, Mariele Franco) sofra uma retaliação violenta. Tim Lopes morreu tentando revelar as entranhas do tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

Glenn Greenwald, o jornalista responsável pela publicação das conversas entre o juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato, foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF). O detalhe é que, por determinação do STF, o jornalista não era sequer investigado, mas entrou no mesmo pacote de denunciados ao lado dos "hackers" de Araraquara e seus comparsas.

O crime de Glenn? Revelar conversas pouco republicanas entre o juiz e os procuradores. Uma tabelinha entre quem acusa e aquele que julga. “Melindra alguém cujo apoio é importante”, disse Moro a respeito de uma citação à FHC feita por um delator. “Rumores da delação de Cunha… espero que não procedam”, teria dito o ex-juiz acerca da delação do ex-presidente da Câmara.

É triste observar que para um segmento da população, especialmente aquele com devoção ao governo, há envolvimento entre o crime e a sua divulgação. Porém, a história do jornalismo mundial mostra o contrário.

Em 1972, o jornal Washington Post noticiava na primeira página o assalto do dia anterior à sede do Comitê Nacional Democrata, no Complexo Watergate, na capital dos Estados Unidos, no famoso caso que culminaria com a renúncia de Richard Nixon. Se o jornalista tivesse sido considerado responsável ou conivente com a invasão do comitê, a história americana e, automaticamente, a história mundial seria outra.

Quando, ainda na década de 70, documentos ultrassecretos do governo americano foram vazados à imprensa e noticiados pelo jornal The Washington Post, revelou-se que os EUA sabiam antecipadamente os riscos da Guerra do Vietna e escondeu isso da sociedade. O jornal foi parar nos tribunais e absolvido pela Suprema Corte daquele numa decisão histórica e fundamental para a consolidação da liberdade de imprensa. “A imprensa deve servir aos governados, e não aos governantes. A história é contada no filme The Post – A Guerra Secreta, de Steven Spielberg.

No Brasil de 2020, a imprensa está ameaçada. Se um veículo de informação tem em mãos um material de conteúdo explosivo e evidente interesse público, publicar é um dever. Ao revelar o jogo de vaidades e o parcial empenho dos responsáveis pela Lava Jato, o site The Intercept apenas cumpriu o seu dever de informar. Ao denunciar a imprensa por cumprir esse papel, o MPF fere a democracia.  

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