Gostar de cinema tem se tornado uma tarefa difícil para quem tem dificuldade em romper com velhas (ultrapassadas?) formas de consumo dessa arte. Não tenho o hábito de assistir filmes pela internet – a tela pequena não é a melhor experiência e a pirataria, não se esqueça disso, é crime. As locadoras foram dizimadas pelo Netflix e similares. Há algumas semanas, foi com muita tristeza que visitei pela última vez uma tradicional rede de locadoras em Araraquara, que liquidava por valores entre R$ 4,99 e R$ 9,99 as últimas cópias do estoque. Restam pouquíssimas outras lojas do gênero na cidade, certamente com curtíssimo prazo de validade.
Ir ao cinema, experiência maior de imersão cinematográfica, é outro problema para quem não se entusiasma com a avalanche de super-heróis, continuações, comédias toscas que monopolizam as salas em Araraquara. Filme legendado também quase não há. Recentemente, empolgado com a safra Oscar deste ano, fui até São Carlos para assistir La La Land, que só estrearia por aqui com semanas de atraso. Ribeirão Preto também tem opções mais interessantes, mas a combinação combustível + pedágio + ingressos caros + pipocas tornam o processo pouco viável economicamente e, por isso, pouco freqüente, ainda que necessário mesmo que para assistir um vencedor do Oscar de Melhor Filme (foi o que tive que fazer para assistir Moonlight: Sob a Luz do Luar, recentemente).
Alimentar a paixão pelos filmes nunca foi tarefa fácil. Passei toda minha infância distante das animações Disney que na época, faziam enorme sucesso, caso de A Bela e a Fera, Aladim ou O Rei Leão. Sem vídeo cassete em casa (artigo quase de luxo para os assalariados daquele tempo), meu pouco contato com esse mundo eram os filmes da TV aberta, fossem eles da extinta sessão Cinema em Casa, do SBT, ou da Sessão da Tarde ou Temperatura Máxima, da TV Globo.
A primeira sessão no cinema foi quando eu já tinha uns 15 anos. Como não havia cinema em minha cidade, nem eu tinha alguém que pudesse me levar de carro para uma sessão na vizinha Araraquara, tive que bolar um plano para ver o mega sucesso Titanic, filme que quase todo mundo tinha visto e cuja trilha sonora ocupava o topo das paradas musicais naquele ano. Mobilizei alguns amigos para ratear a locação de uma van. O plano quase deu errado pela falta de adesão. Para completar os passageiros e não inviabilizar o passeio, tive de convencer minha família (pai, mãe, irmão, tio) para embarcassem comigo na aventura. Lembro-me de argumentar com minha mãe que só me daria por satisfeito quando o letreiro subisse e, pela primeira vez, aparecesse TITANIC na grande tela. Acho que minha determinação ficou marcada na sua lembrança porque, quando as luzes se apagaram e a sessão começou, ela, que estava sentada numa poltrona atrás da minha, me cutucou com um sorriso de cumplicidade.
Depois dessa, foram inúmeras outras vezes que consegui ir ao cinema juntando amigos e lotando uma van. Star Wars – A Ameaça Fantasma quase tirou minha credibilidade frente aos parceiros de aventura, já que eu assegurei que o filme era bom para convencer o maior número possível de gente pra assistir. Ao final da sessão, quase ninguém tinha gostado do retorno de George Lucas ao universo estrelar – demorei pra reconhecer que eles tinham razão.
No ano seguinte, quando Central do Brasil chegou entre os finalistas ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, levando Fernanda Montenegro entre as cinco atrizes indicadas ao prêmio, a ampla cobertura da imprensa reforçou meu interesse pelo universo cinematográfico. A partir dali, virei leitor voraz de tudo o que tivesse o cinema como assunto. Naquele período, no entanto, além dos jornais (que eu não assinava), as opções eram poucas. Devo à revista SET minha iniciação pelos ícones da sétima arte. Lembro-me da ansiedade pela chegada do número seguinte, publicado mensalmente. A cobertura que a revista fazia dos lançamentos e as reportagens belissimamente diagramadas forneceram o repertório com o qual me atrevi a escrever minhas primeiras resenhas. Anotava dados técnicos do filme, elenco, sinopse, comentava uma ou outra cena que me chamavam a atenção e classificava usando os critérios que a revista adotava, com variação entre uma e cinco estrelas. Utilizo até hoje essa forma de conferir a qualidade da obra.
Com a aquisição do primeiro vídeo-cassete, quando o DVD era quase uma realidade no mercado, tornei-me freqüentador assíduo das videolocadoras. Fui do VHS ao DVD aprimorando meus conceitos como um bom estudante. Lia cada vez mais e, pouco a pouco, além dos filmes da moda e dos indicados ao Oscar, premiação que eu assisto ininterruptamente desde então, fui conhecendo o cinema para além de Hollywood, como o brasileiro e o europeu.
A revista SET foi extinta, vieram os blogs e todo o conteúdo ficou mais acessível e em larga escala. Ainda guardo alguns números antológicos da revista numa coleção particular. Porém, nenhuma página de internet foi capaz de provocar o mesmo efeito que o conteúdo impresso assinado por Roberto Sadovski e companhia. Assim como nenhuma plataforma on demand substituiu à altura a velha e boa ida à locadora. Para mim, é como trocar uma livraria ou biblioteca pelos leitores digitais. Processo doloroso, mas mais cedo ou mais tarde aconteceria – ainda que dos livros físicos, diferentemente dos filmes, não penso em abrir mão tão cedo!