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Sobrevida a universos mágicos

"Em um grupo de Whatsapp, alguém enviou a foto de uma placa com os seguintes dizeres: compre livros de quem quer vendê-los, não de quem quer colonizar a lua. "

O Sebo Alternativa de Batatais nos convida a passar horas em seu interior. A fachada ostenta pintura descascada e uma única porta de aço, enferrujada. Lá dentro, encontramos pilhas de revistas antigas, fileiras de clássicos em capa dura, edições amareladas em vários idiomas, caixas com raridades no formato LP.

Na última semana, durante apressada visita ao estabelecimento, ouvi o proprietário falar sobre o período de pandemia. A loja permaneceu fechada ao público por cinco meses. Foram as vendas online, via Estante Virtual, que garantiram sua sobrevivência. Há quinze dias, com horário de funcionamento reduzido, o Alternativa voltou a operar na modalidade presencial.

Em um grupo de Whatsapp, alguém enviou a foto de uma placa com os seguintes dizeres: compre livros de quem quer vendê-los, não de quem quer colonizar a lua. A frase tinha como alvo a Amazon, gigante estadunidense fundada por Jeff Bezos que tem o objetivo de monopolizar não só a venda de livros, mas também, como dá para perceber pelo silencioso protesto, as viagens espaciais.

Quem dispõe parte de seus rendimentos para a aquisição de livros sabe que os preços da empresa de Bezos são imbatíveis. Além disso, os assinantes do Prime Video, serviço de filmes sob demanda do conglomerado, não pagam o frete da entrega, que é feita, muitas vezes, em menos de vinte e quatro horas.

Por outro lado, as edições comercializadas pela multinacional não vêm com histórias. Não me refiro às narrativas organizadas no interior de romances, mas às assinaturas que muitas vezes estampam as folhas de rosto de exemplares que já tiveram outros donos. Essa experiência só pode ser encontrada em sebos empoeirados.

Há algumas semanas, adquiri a coletânea Tiros na noite, do escritor hard boiled Dashiell Hammett. O vendedor, identificado como Heraclito Ribeiro, descrevia o livro como usado, contendo sutis marcas de dobras na capa e na contracapa, além de uma etiqueta, à caneta, com o nome “contos”. Mas o melhor de tudo estava na quarta página: o carimbo de uma locadora de livros localizada em Fortaleza, no Ceará. A marca azul também dispõe de um número de telefone, cujo prefixo apresenta apenas três dígitos.

Aquele sinal é uma máquina do tempo que remete a dias em que as coisas andavam mais devagar. Nessa época, os que quisessem ler as narrativas curtas de Tiros na noite teriam que telefonar e perguntar ao atendente se a edição estava disponível para empréstimo. Caso não estivesse, seria necessário fazer uma reserva. De posse do livro, o leitor ou a leitora aproveitaria cada minuto em que estivesse com aquela preciosidade, assim como a protagonista clariciana de “Felicidade clandestina” se deleita quando tem em seu poder As reinações de Narizinho.

Deixar de comprar na Amazon não evitará que a lua seja colonizada. Porém, privilegiar pequenos livreiros garante sobrevida a universos mágicos como o Sebo Alternativa. No que depender de mim, sua porta enferrujada continuará aberta e resistindo às investidas de Jeff Bezos. Ele que vá para a lua.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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