As instituições brasileiras convulsionaram. Os poderes Legislativo e Executivo perderam a legitimidade em meio ao mar de lama da corrupção e a busca desenfreada pelo poder. Os partidos políticos, que atingem o número absurdo de quase 40 siglas oficiais, digladiaram-se no fatiamento do estado brasileiro e na relação promíscua com o alto empresariado que financiava as caras campanhas eleitorais.
O Judiciário se esforça na tentativa de pôr ordem na casa, mas não escapa da perniciosa proximidade com a política e o poder. “Um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”, do senador Romero Jucá.
Em meio a tudo isso, o Brasil assiste a uma das mais absurdas condenações de sua história recente. Entre quem aplaude e quem reclama, agoniza a jovem e fragilizada democracia brasileira. Se o teor da ação fere os princípios da razoabilidade, a dosimetria da pena extrapola qualquer compreensão. Pois, então, vejamos.
O injustiçado a quem faço referência é o jornalista Zeca Camargo, que acaba de ser condenado ao pagamento de R$ 60 mil de indenização por danos morais à família do falecido cantor Cristiano Araújo. Em 2015, quando um acidente de carro tirou a vida do sertanejo, Camargo narrou uma crônica no “Jornal das Dez” da Globo News questionando a popularidade do novo ídolo. “Muita gente estranhou a comoção nacional diante da morte trágica e repentina do cantor Cristiano Araújo. A surpresa maior, porém, é o fato de ele ser ao mesmo tempo tão famoso e tão desconhecido. O que realmente surpreende nesse evento triste da semana foi a comoção nacional. De uma hora para outra, (…) fãs e pessoas que não faziam ideia de quem era Cristiano Araújo, partiram para um abraço coletivo, como se todos nós estivéssemos desejando alguma catarse assim, algo maior que nos uníssemos pela emoção”, disse ele na ocasião.
O texto não é nem um pouco ofensivo à memória do cantor, nem à família ilutada. Aliás, lido hoje à distância, confirma-se que a fama de Araújo não resistiu à história. Cássia Eller, Renato Russo, Cazuza e outros tantos artistas não tiveram seu lugar preenchido. Até mesmo sertanejos como Leandro (da dupla Leandro e Leonardo) ou o João Paulo (antigo parceiro de Daniel) são celebrados como relevantes no gênero. Cristiano Araújo já foi substituído pelo ídolo da vez.
Por isso, a condenação é absurda. Fere de morte a liberdade de expressão e ameaça a democracia. O processo movido contra o jornalista global soma-se a outros tantos, como o movido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, contra Mônica Iozzi, ou mesmo a condenação em primeira instância imposta ao jornalista José Carlos Magdalena, de Araraquara, após ação movida pelos 18 vereadores da Câmara Municipal de Araraquara, que não receberam bem as críticas emitidas no Jornal da Morada.
Os sinais estão aí. A fragilidade das instituições, pelos motivos elencados acima, e a anestesia geral da população indicam que tempos bicudos se avizinham. Nem tudo está perdido, mas é preciso resistência. Perdoe-me quem se entusiasma pela força das redes sociais, mas ultimamente, como profetizou Umberto Eco, elas apenas têm dado voz a uma legião de imbecis – ainda que se aponte boas experiências nessa esfera. A sociedade precisa de uma imprensa livre e atuante. Livre, democrática e atuante.
O cinema tem produzido boas reflexões sobre esse tema. “Spotlight – Segredos Revelados”, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2016, e o recém-lançado “The Post – A Guerra Secreta”, de Steven Spielberg, que estreia nos cinemas por esses dias, são exemplos que mostram o papel imprescindível que só o jornalismo é capaz de desempenhar.