>O vídeo está disponível no youtube em várias versões. Algumas, inclusive, trazem o sugestivo título de “Jornalista tenta difama Bolsonaro e se dá mal”. Outros títulos similares também circulam pela rede e quase todos na impressionante casa de 1 milhão de visualizações.
>A história toda ocorreu há cerca de dois anos quando, no programa da Rádio Morada, repercuti uma reportagem da Folha de São Paulo que discutia a militarização do ensino proposto pelo deputado federal que ensaiava sua primeira candidatura presidencial. Folclórico por declarações polêmicas (pra usar um adjetivo suave), Bolsonaro defendia que, uma vez instalado na presidência da República, espalharia escolas militares pelo país como medida para salvar a educação brasileira.
>No meu comentário considerei a inviabilidade técnica da medida. Há, de fato, bons colégios militares pelo Brasil, assim como há boas escolas ligadas a grupos religiosos, por exemplo. Aqueles que se matriculam ou matriculam seus filhos sabem da proposta pedagógica e o fazem por opção. Contudo, não posso conceber que esse modelo de escola seja universalizado, uma vez que o estado é laico e tão pouco deve pautar o serviço de educação pelo viés ideológico. A escola pública brasileira deve ser emancipadora, não doutrinadora.
>Talvez eu andasse sem paciência por aqueles dias e classifiquei o futuro presidente como “lunático” detentor de “uma capacidade intelectual bastante limitada”. Em seguida, fiz uma consulta pública e a maioria dos que se manifestaram no ar declaram-se favoráveis ao projeto, diferentemente da minha consideração sobre o tema revelada momentos antes.
>O fato é que dias depois (ou teriam sido horas, nem me lembro mais) essa parte do programa espalhou-se pelas redes sociais e impulsionado por apoiadores do “Mito” organizados em grupos de whatsapp e facebook foi publicada pela página oficial de Jair Bolsonaro. Era um domingo pela manhã quando os alertas começaram. Primeiro, um colega me chamou a atenção, depois outro e em pouco tempo meu celular estava lotado de pessoas me avisando sobre o “sucesso” daquele programa.
>Durante as semanas seguintes, as transmissões ao vivo do programa receberam visitantes de todo o país inflamados por criticar o “jornalista comunista de barba ruiva”, ou “o verme petralha” que ousou criticar o ídolo político. Minha página pessoal do facebook foi invadida por apoiadores do deputado que despejaram palavras pouco gentis contra minha família e eu. Alguns foram bastante categóricos dizendo que a crítica partia de alguém que desconhecia o funcionamento das escolas públicas brasileiras e que, por isso, se opunha à militarização do ensino. Logo eu, cria da escola pública da pré-escola ao ensino superior. Fui aluno e, posteriormente, professor da escola pública. Mas para os internautas bolsonaristas de então, conhecer-me era irrelevante. Bastava lançar uma classificação qualquer na rede.
>O fato é que tive ali a primeira experiência da ampla mobilização virtual pró-Bolsonaro que seria determinante em 2018 para alçá-lo à Presidência da República, para surpresa dos partidos tradicionais que apostaram nas amplas alianças como forma inequívoca de conquistar ou se manter no poder.
>O resto é história: o ex-deputado falastrão do baixo-clero já é presidente eleito, diplomado e empossado e poderá, definitivamente, implantar as escolas militares tão defendidas por seus adoradores. Haverá pelo menos uma em cada capital brasileira, segundo um famigerado Plano de Governo que a equipe do presidente registou no TSE durante a campanha.
>Mesmo assim, uma coisa é certa: rotineiramente minha caixa de mensagem ainda é abastecida por comentários. O mais recente, como de praxe, exalta os bons tempos em que se cantava o Hino Nacional na escola. “Fico muito triste com a sua colocação na rádio outro dia. Não estou defendendo o Presidente mas acho que implantando um sistema mais rigoroso nas escolas trará paz e mais controle aos professores. Sou de uma época onde se era sim, obrigatório cantar o hino nacional, se levantar quando os professores e/ou diretores entravam na sala de aula. Eu era o último à falar em casa, respeitava tudo e a todos. Agradeço cada momento radical que passei na infância e tenho saudades de vários professores”.
>Democrático que sou, leio tudo o que me mandam e, prezando pela minha sanidade mental, ignoro os mais exaltados. Talhado pelo jornalismo crítico que praticamos no Jornal da Morada, prezo pelo bom debate de ideias, onde a divergência é combustível essencial. Espero que o governo Bolsonaro não vacile na defesa da democracia. Porém, que ele reconheça à tempo a inviabilidade de uma educação militarizada, tema da minha “treta” com o agora presidente.