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Rádio Globo do Rio, jogo do Campeonato C…

"Numa noite de terça-feira qualquer, sozinho, Duvilio ajusta a sintonia do seu velho rádio de pilha. Passando por fragmentos de música pop, sertaneja e gospel, detém-se ao ouvir acelerada voz masculina"

Não seria uma crônica propriamente dita. É difícil dizer que escrevo crônicas no país de mestres como Rubem Braga, Fernando Sabino, Antonio Prata, Luis Fernando Verissimo, Clarice Lispector.

Seria um texto breve, enxuto, leve. Eu falaria sobre as conversas que tive com meus primos no último sábado. Havia muito não nos encontrávamos e, consequentemente, bastante resenha a ser colocada em dia.

Assuntos atualizados, caímos nas rememorações. As principais foram as manias de alguns fregueses do Bar do Paulo – no caso, meu pai e tio deles; o barbudo toca aquele estabelecimento há quase trinta anos. Localizado no Bairro Alto de Matão, o boteco abriga elenco de personagens bem construídas.

Há Mário, sujeito que tem nojo de si mesmo – a cada cerveja terminada, pede para trocar o copo. Tem também o Itamar, que acende um cigarro no outro, motivo pelo qual sempre pede uma enorme pá de recolher lixo emprestada, recipiente destinado a receber a grande quantidade de bitucas – um cinzeiro não é suficiente para as duas horas que permanece ali. Houve o Pedrinho, franzino que chegava ao bar pontualmente às oito da manhã com muita sede – o remédio para aplacá-la era uma dose de Old Eight, devidamente apreciada com um Belmont.

Mas esse texto trataria especialmente da figura do Duvilio, frequentador que se senta no mesmo lugar, acompanhado do mesmo copo de isopor de meio litro trazido de casa, simulacro de contêiner em que bebe cerveja com pequenos e frequentes goles.

Porém, o hábito mais interessante de Duvilio é caseiro e, portanto, pouco conhecido.

Numa noite de terça-feira qualquer, sozinho, Duvilio ajusta a sintonia do seu velho rádio de pilha. Passando por fragmentos de música pop, sertaneja e gospel, detém-se ao ouvir acelerada voz masculina: Rádio Globo do Rio, jogo do Campeonato Carioca, Bangu e Madureira. Na grelha elétrica, ele joga um pedaço de alcatra. Na geladeira, pega uma cerveja.

Esse texto colocaria uma lupa na beleza e simplicidade desse ato. Duvilio é um homem desconectado das redes sociais que se satisfaz com pouco. Basta uma pelada qualquer, algumas cervejas, um aperitivo para salgar a boca. O projeto mal sucedido de crônica só poderia supor isso, mas, talvez, ele goste de apreciar a narração sem imagens na era do pay-per-view, uma narração que os navegantes da grande rede chamariam de "raiz", algo que remete a uma época de bom futebol, tempo em que as pessoas tinham disponibilidade para olhar ao redor e perceber a poesia inserida nos pequenos atos do cotidiano.

Mas o que é poesia? Isso, aquele texto piegas não discutiria. Seria assunto a ser tratado em outra oportunidade, num novo encontro com meus primos.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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