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Ativistas e jornalistas: a neutralidade vai cobrar seu preço

A ideia de que os dois lados da disputa presidencial são extremistas é falsa. O jornalismo tem obrigação de explicar isso à sociedade, bem como entidades e associações de classe precisam alertar seus representados

Em 2016, o Dicionário Oxford, da Universidade de Oxford, nos EUA, elegeu “pós-verdade” (>Post-truth) como palavra do ano: “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais.”

Naquele ano (e dali para frente), as meias verdades, ou mentiras, tornaram-se ferramentas eleitorais utilizadas exaustivamente mundo a fora (Brexit, plebiscito de acordo com as Farc, eleições norte americanas, por exemplo).

O fato de as pessoas acreditarem em correntes de Whatsapp e duvidarem dos jornais precisa acender um sinal de alerta na sociedade, mas principalmente no meio jornalístico.

O Centro Internacional para Jornalistas, com colaboração da UNESCO e do governo da Suécia, publicou um manual chamado Ética Jornalística na Era Digital. Ele traz reflexões sobre o papel do jornalismo em relação ao fenômeno da pós-verdade.

O jornalismo não foi eficiente no seu papel de apurar e comunicar a realidade dos fatos. Em nome de uma ilusória neutralidade, o jornalismo deu espaço acrítico para os discursos e posições políticas baseadas em pós-verdades, em meias verdades, ou em mentiras, como se fossem “um dos lados” a serem ouvidos com “o mesmo peso”. Ao aceitar as meias verdades sem as críticas devidas, o jornalismo colaborou com a ascenção das pós-verdades, revela o manual.

Alegando imparcialidade, o jornalismo se limitou a reproduzir meias verdades sem análise crítica (para não ser tendencioso), negando ao leitor, ouvinte, espectador, a ajuda informativa que ele necessita para poder formar sua opinião e compreender o mundo. Mostrar contradições, erros, mentiras nos discursos é papel do jornalismo. Não o fazendo, o jornalismo deu (e ainda dá) sua segunda contribuição.

Ao abrir mão de relatar a verdade dos fatos, o jornalismo simplesmente perde sua função, perde sua razão de ser. Vamos aceitar este fim trágico, este suicídio profissional? Ou vamos aprimorar nossa técnica, melhorar nossa apuração, dar nome aos bois e efetivamente colaborar com uma sociedade mais justa e igualitária?

Junto com o jornalismo, ao longo do tempo, centrais sindicais, associações e entidades de classe ligadas à defesa do trabalhador, por mais combativas e atuantes que tenham sido, também deixaram de lado um papel fundamental: o de formação política dos seus representados, o chamado trabalho de base.

A mesma falsa ideia de neutralidade, de imparcialidade, ou, em alguns casos, a proximidade com governos, afastaram dos sindicatos, associações e entidades de classe o debate político saudável, formador de cidadãos plenos. Esse debate ficou restrito aos movimentos sociais. Houve um distanciamento dos representantes tradicionais de suas bases, a crise de representatividade chegou.

Agora, o terror é quem bate à porta. Fuzilar, prender ou exilar adversários, acabar com ativismo, tratar adversários como inimigos (que devem ser eliminados), são as ameaças diretas e os alvos somos todos nós.

A disputa eleitoral de 2018 não é entre dois projetos democráticos, um de esquerda e um de direita, mas entre democracia e autoritarismo. Manter a posição de neutralidade nessa situação pode significar o fim do curto período democrático que vivemos no Brasil nos últimos 30 anos. Já temos mortes, agressões e censura (links abaixo).

O mundo todo está alertando para isso. Fechar os olhos não é uma opção para jornalistas e ativistas, sob pena de estarmos destruindo o que restou dos direitos humanos e trabalhistas e, pior, assinando nossa própria sentença de morte.

 

Links úteis:

Manual de ética jornalística na era digital (em espanhol) http://eticaperiodistica.info/wp-content/uploads/2018/05/Manual_EticaPeriodistica.pdf

Matéria do UOL: Em manifesto, juristas dizem que só Haddad pode garantir democracia no país – >https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/16/em-manifesto-juristas-dizem-que-so-haddad-pode-garantir-democracia-no-pais.htm?utm_source=facebook&utm_medium=social-media&utm_campaign=noticias&utm_c>

Matéria da BBC Brasil: “Steven Levitsky: Por que este professor de Harvard acredita que a democracia brasileira está em risco”  – https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45829323

Matéria do The Intercept: Militares no poder: https://theintercept.com/2018/10/22/general-etchegoyen-tem-vigilancia-estado/

Nota conjunta da OAB, Anamatra, Fenaj e outras entidades: https://www.revistaforum.com.br/nota-conjunta-da-oab-anamatra-cnbb-anpt-sinait-abrat-e-fenaj-contra-o-odio-e-pela-democracia/

Matéria do Brasil de Fato: TSE censura postagens da UNE que criticam Bolsonaro: https://www.brasildefato.com.br/2018/10/22/tse-censura-postagens-da-une-que-criticam-bolsonaro/?fbclid=IwAR1sTQeAXqWmsPnd83XMsTw2z4EzoU7jBc0I21G0Fo3ZihRqhR8PUcJnkhY

Matéria do site Justificando: TRE-RJ censura imprensa e manda recolher exemplares do jornal Brasil de Fato –  http://www.justificando.com/2018/10/22/tre-rj-censura-imprensa-e-manda-recolher-exemplares-do-jornal-brasil-de-fato/

Matéria da Agência Pública: Apoiadores de Bolsonaro realizaram pelo menos 50 ataques em todo o país – https://apublica.org/2018/10/apoiadores-de-bolsonaro-realizaram-pelo-menos-50-ataques-em-todo-o-pais/

 

Raphael Pena

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