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InícioblogConservada em moldura de vidro

Conservada em moldura de vidro

"A primeira coisa que realmente enxerguei foi o sujeito que levava um saco de lixo preto pendurado no ombro esquerdo."

Era o primeiro dia de 2018, último de praia. Sairíamos do Guarujá no dia seguinte. Só restava aproveitar ao máximo, mesmo com uma ressaca daquelas, o gosto de cabo de guarda-chuva, a cabeça latejando.

Acomodado na areia, sentado sobre uma toalha e sob guarda-sóis fincados no chão, eu contemplava o nada enquanto meus amigos conversavam. Olhava para o mar, ainda que sem vê-lo. A primeira coisa que realmente enxerguei foi o sujeito que levava um saco de lixo preto pendurado no ombro esquerdo. Embora o recipiente já estivesse abarrotado de latas de cerveja da noite de réveillon, ele seguia coletando e amassando mais amostras, adaptando-as o melhor possível para que coubessem num espaço já saturado. Na direção contrária, outro homem, que poderia ter quarenta ou setenta anos, vinha realizando o mesmo trabalho. A diferença é que ele trazia uma sacola menor, mas nem por isso pequena ou vazia. Seus olhares se cruzaram. Foram ao encontro um do outro. Colocaram suas bolsas no chão. Apertaram as mãos.

Em 2010, comprei uma Canon T3. Não lembro exatamente o motivo. Sei que foi o ano do meu ingresso no curso de Letras. Talvez tenha tido algum tipo de falsa inspiração artística. Mais provável é que quisesse impressionar alguma garota que, por fim, acabou saindo com outro cara. O fato é que nunca tinha conseguido fotografar nada que me redimisse de mais um ato consumista, das imagens tremidas, das fotos de gatos, da falta de habilidade para manusear o anel de foco, da incapacidade de regular o ISO de acordo com a claridade, da incompreensão a respeito da abertura do diafragma. Era minha oportunidade. Enquadrei aquele momento em preto e branco. Dois catadores de lixo se cumprimentado e desejando feliz ano novo, saúde e paz para toda a família, este ano vai ser melhor. Ao redor, pessoas jogando frescobol e relaxando em cadeiras de praia. Tudo pronto, só apertar o obturador. Mas minha câmera estava em casa, a 600 quilômetros dali.

Em Anos de formação: os diários de Emilio Renzi, Ricardo Piglia escreve que cada um possui histórias que conta a si mesmo, relatos que não seriam entendidos por terceiros. De acordo com o escritor e crítico argentino, são momentos muitas vezes perfeitos, passagens que têm como única testemunha a própria pessoa que os viveu. Destaquei esse trecho a lápis e sempre volto a ele quando me lembro daqueles dois rapazes envelhecidos pelo sol, as mãos conectadas. A imagem foi capturada e revelada no quarto escuro da minha mente. Ainda posso visualizá-la em uma das paredes, conservada em moldura de vidro.

Eles se despediram, pegaram seus pertences e seguiram rumos contrários. Olhei para meus acompanhantes. Continuavam conversando. Não valeria a pena explicar.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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