InícioblogNão é Bolsonaro que nos leva à barbárie, ele é resultado dela

Não é Bolsonaro que nos leva à barbárie, ele é resultado dela

"Enquanto a nossa cultura for a da elite, da burla, do preconceito, do patriarcado, cavaremos mais e mais, seja quem for eleito. "

Bolsonaro só existe porque cavamos por décadas e com muita dedicação e afinco o imenso buraco onde estamos. Com seu ódio, seu discurso fascista, sua burrice e sua bizarrice, ele só fez iluminar o buraco que já estava lá. Agora, não temos como não ver o que antes era confortavelmente ignorado.

Não se trata, absolutamente, de absolver Bolsonaro, mas de colocá-lo no devido lugar, o de subproduto de uma sociedade elitista, racista, machista, corrompida e despreparada para viver em democracia. E, para isso, temos que tirá-lo do lugar que ele ocupa no imaginário coletivo, o de causador do buraco, para que este espaço seja ocupado pela realidade.

Se não fizermos isso, podemos derrubar Bolsonaro mas tudo continuará exatamente igual. Empresários seguirão sonegando; a polícia matando negros na periferia; pessoas continuarão querendo tirar vantagem em cima de outras; políticos permanecerão afastados dos anseios da sociedade, corrompidos e corrompendo, com a conivência de tanta gente; empresas gigantes de comunicação e jornais manterão o propósito de manipular consciências; Educação e Saúde darão cada vez mais lucro para alguém; cada vez menos gente terá acesso à arte e tudo ainda será um grande buraco.

Foi assim que chegamos até aqui. Fazendo concessões, burlando, olhando para o próprio umbigo, aceitando pequenas ilegalidades, rindo de piadas racistas, equiparando ciência e opinião, sem ética, abrindo mão do conhecimento, ignorando o próximo, permitindo abusos (e abusando) aqui e ali em nome de alguma liberdade ou de um bem maior. Nos ferramos.

Por isso, derrubar Bolsonaro e a chapa toda é necessário e urgente para tentarmos evitar uma ditadura, mas, para sairmos mesmo do buraco, para enfrentarmos o bolsonarismo (que é muito maior que o Bolsonaro), será preciso muito mais do que uma simples eleição. Não é questão de eleger Lula de novo ou dar chance ao Ciro Gomes ou ao Boulos. Não é uma eleição que vai nos resgatar.

Enquanto a nossa cultura for a da elite, da burla, do preconceito, do patriarcado, cavaremos mais e mais, seja quem for eleito. E o fascismo continuará rondando. Precisaríamos compreender, reaprender e principalmente interiorizar conceitos como solidariedade, ética, justiça, humanidade, as relações entre público e privado, os direitos humanos. E aplicar de verdade isso nas nossas vidas, ensinar isso às crianças. Uma mudança cultural que levaria gerações, mas, infelizmente, este não é nem o cenário que se apresenta.

Somos todos culpados. Caímos na cilada que fingíamos não ver. E não vai ser fácil e nem rápido sair dela.

Raphael Pena

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