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Precisamos falar sobre Fábio Carille

"Levo em alta conta algumas equipes que não ocupam o lugar de uma Seleção Brasileira de 82 no imaginário coletivo dos boleiros"

O escritor norueguês Karl Ove Knausgård, em troca de cartas com um amigo que estava no Brasil durante a Copa de 2014, diz que considera-se um “protestante” do futebol, alguém que admira equipes que priorizem mais uma defesa sólida do que um ataque veloz, o carrinho ao chapéu, o gol chorado à bola no ângulo.

Fiquei contente ao ler essa informação na reportagem “Bloco do eu sozinho”, publicada na revista Piauí de julho último, edição número 130, pois, até então, sempre tive dificuldade de nomear minha preferência futebolística antiguardiola. Assim como Knausgård, também prefiro o futebol feito de contra-ataques, poucos gols e defesas que colocam os Neymares da vida no bolso.

Levo em alta conta algumas equipes que não ocupam o lugar de uma Seleção Brasileira de 82 no imaginário coletivo dos boleiros, mas que, ao contrário do esquete comandado por Sócrates, Falcão e companhia, ergueram as taças a que se propuseram ganhar.

Uma delas é o São Paulo de 2007 e 2008, equipe que tinha como guardiões da pequena área os ótimos Miranda, André Dias e o quixotesco Zé Luís, esse último um exímio marcador, daqueles do estilo carrapato: conforme orientações do mestre Muricy Ramalho, grudava no cangote do melhor jogador do time adversário e dali não saía até o último apito do juiz. Lembro-me de um jogo em específico, contra a gigante Portuguesa, no Canindé. Jonas, hoje ídolo do Benfica, jogava o fino da bola, aterrorizava nossa sólida zaga – sim, cara leitora e digníssimo leitor, já revelo aqui que meu time do coração é o de três cores do Morumbi.  O jogo parecia fadado a terminar em 2 a 2 quando o mencionado Zé foi pra área e alçou um voo mais alto que o do Super-Homem. Desviou um escanteio batido no primeiro pau para nos garantir os três pontos – ainda haveria tempo pra Jonas levar corações sãopaulinos à garganta, com uma bola no travessão. Pra mim, o jogo do título brasileiro de 2008 foi esse.

Outro esquadrão de jogadores adeptos ao desarme e à bola pro mato é a Itália de 2006, que ganhou o título do mundial da Alemanha nos pênaltis, jogando contra a França do classudo Zidane. Sim, aquela mesma Itália do Materazzi que levou a cabeçada do Zinedine e que teve Cannavaro, raro zagueiro que, por conta da conquista e do seu desempenho no torneio, foi eleito o melhor jogador do mundo daquele ano – aliás, como fará falta a Itália na Rússia!

Falando da Velha Bota, lembro-me também da Inter de Milão que conquistou a Liga dos Campeões de 2010. Comandada pelo boçal José Mourinho, jogando com um a menos contra o sempre forte Bayern de Munique, o time terminou a final com o atacante camaronês Eto’o jogando de lateral esquerdo.

Bom, como já revelei, sofro pelo São Paulo Futebol Clube desde que me conheço por gente. Então, agora talvez eu choque os tricolores mais bairristas, que se acostumaram a comemorar fuga do rebaixamento e classificação para a Libertadores. Mas precisamos falar sobre Fábio Carille. Pode ser que daqui a um ano ele entre em queda livre e caia no ostracismo como tantos outros. Porém, hoje, sou fã do trabalho desse treinador de Sertãozinho que mistura os estilos de Mano Menezes e Tite. Rapaz aplicado, levou o Corinthians de quarta força da capital paulistana e candidato ao rebaixamento ao status de melhor equipe do país. Um time que, na maior parte da edição 2017 do Brasileirão, jogou atrás da linha da bola e matou jogos importantes com contra-ataques cirúrgicos.

A conquista de Carille é mais uma mostra de que, sim, é legal ver siglas como MSN ou BBC jogando, mas também é prazeroso ver um time adepto ao futebol protestante de Knausgård levantando canecos.

Murilo Reis

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