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Resistência negra em Araraquara

"O Baile do Carmo mantém viva a história de resistência cultural da comunidade negra de Araraquara"

Mais uma edição da “Semana Cultural Baile do Carmo” se aproxima. O tradicional evento ocorre em Araraquara entre os dias 12 e 16 de julho de 2017.

Para quem não sabe, trata-se de uma programação criada entorno do Baile do Carmo, atividade cultural de valorização dos negros. Explico: em meados do século passado, os negros  não podiam ocupar os espaços dos “brancos”. Isso valia também para os locais destinados ao lazer.

Em Araraquara, o “footing” da juventude acontecia em frente ao antigo Teatro Municipal, no mesmo local onde hoje existe o prédio da Prefeitura. O belo imóvel ao lado, o Palacete das Rosas, onde hoje funciona a sede da secretaria da Cultura,  abrigava o Clube Araraquarense, considerado (ainda hoje é assim?) exclusivo da elite local. Ali rolava a paquera, o bate-papo, o encontro da moçada da época. Os negros, no entanto, não eram bem-vindos.

Se não eram bem-vindos ao "footing", não estavam autorizados a frequentar as festas. Quando o apartheid oficial deixou de existir, penso que o apartheid econômico tratou de continuar separando a Casa-grande da senzala.

Antes, porém, no início do século XX, no entorno da igreja do Carmo, núcleos negros participavam ativamente dos festejos religiosos. A festa dedicada àquela santa era um dos poucos lugares em que os negros, que também ocupavam as cercanias daquele bairro, podiam freqüentar. Essa aceitação por parte dos realizadores da festa desencadeou um movimento em torno do mês de julho e fez surgir, em data imprecisa, o Baile do Carmo.

A proposta nasceu como forma de resistência e fortalecimento da comunidade negra. O baile já foi realizado em diversos locais, inclusive o antigo Teatro Municipal e o Clube Araraquarense. Era a única noite em que os negros estavam autorizados a ocupar esses espaços. Até hoje o traje de gala é obrigatório e a presença de visitantes de outras cidades e até de estados diferentes é comum.

Mesmo com muitas dificuldades, o Baile do Carmo sobrevive e mantém viva a história de resistência  cultural da comunidade negra de Araraquara. Desde sua concepção enfrenta as excludentes e preconceituosas estruturas de poder.  A resistência, porém, é ferramenta indispensável para suplantar a segregação histórica que marginaliza e estigmatiza a história de um povo.

Os fatos descritos aqui são muito melhor apresentados no livro “Baile do Carmo – Memória, sociabilidade e identidade étnico-racial em Araraquara”, da pesquisadora Valquíria Pereira Tenório. A obra é curta, porém fundamental para aprender um pouco mais sobre a formação política, social e cultural de Araraquara e a inserção da cidade no contexto da sociedade brasileira pós-escravocrata.

Caetano Veloso canta, em Noites do Norte, que "a escravidão permanecerá por muito tempo como característica nacional". Em Araraquara é a história do Baile do Carmo que escancara  facetas que a gente teima em não reconhecer, mas que a história insiste em nos mostrar.

A programação completa da “Semana Cultural Baile do Carmo” você encontra aqui.

Abaixo, a sugestão do documentário "Baile do Carmo", queacompanha os preparativos para mais uma edição do popular festejo: 

Luís

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